sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Nacionais 2: 7º-10º


Os Clã (na foto) atiraram-se ao público mais novo sem o infantilizarem e mostraram que é perfeitamente possível fazer um grande disco para a pequenada sem recorrer a melodias desenxabidas ou a instrumentação de viola em Dó-Sol-Dó e xilofones a condizer. As letras de Regina Guimarães ajudam a montar este mundo em que não há príncipes encantados nem princesas em castelos, mas sim crianças de carne e osso com amigos imaginários, cães que querem tirar os donos do sofá e abolição de papéis de género. Um feito. Feito é igualmente o facto de Carlos Bica manter o seu trio Azul - com Frank Möbus e Jim Black - e nunca fazer um disco que seja menos do que extraordinário. Things About volta a não desiludir e a mostrar como Bica é um melodista de fazer inveja. Quem foi alvo de inveja foram os Nigga Poison, que andaram a penar por algo tão simples como uma nomeação para os Globos de Ouro. A malta do underground do hip-hop não achou graça, mas a resposta do duo fez-se com música livre, sem enfiar a cabeça na areia, e com um Simplicidadi que é do melhor que a Rapública já ofereceu. O título do álbum dos Nigga Poison serve igualmente para o segundo álbum dos doismileoito - que, na verdade, se chama Pés Frios. 2011 foi ano para os doismileoito reduzirem à absoluta simplicidade a sua rara capacidade de criar grandes momentos pop. Infelizmente, parece que não foi ainda desta que a qualidade se impôs nas escolhas do público. Lá chegarão...


10º – doismileoito – Pés Frios

9 – Nigga Poison - Simplicidadi

8º – Carlos Bica & Azul - Things About

7º – Clã – Disco Voador


GF 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Nacionais 2: 11º-15º



Maravilha das maravilhas, quis a vida que Alexandre Soares e Ana Deus voltassem a juntar-se. Depois de com os Três Tristes Tigres terem produzido uma das obras mais notáveis da música portuguesa, voltam com o Osso Vaidoso, já não com a palavra em estado de implosão e rodeados de maquina como nos Tigres, agora só voz sublime e guitarra nervosa, às voltas com poesia de Albert Pimenta, Regina Guimarães e Valter Hugo Mãe que não foi tratada com a picareta. Primeiro capítulo de uma história que ainda vai dar muito que escrever. Assim como certamente aconterá com Joana Sá (na foto). Neste disco de estreia a solo de um terço do Powertrio, Joana parte da Alice de Lewis Carroll para um dos mais espantosos discos de música erudita editados nos últimos anos em Portugal. Piano preparado, electrónica a crepitar e um invulgar gosto pelo risco. A falta de risco do single "Página em Branco" oh-como-engana a respeito do último tomo de Jorge Palma. Um tema igual aos outros, sem inspiração particular, esconde um magnífico punhado de canções às voltas com um país suicidário e junto ao precipício da burocracia. Todo um país a espernear num derradeiro estertor levado para dentro de um disco. Verdadeiro Filho da Mãe, o guitarrista dos If Lucy Fell pegou na guitarra acústica, lembrou a sua formação clássica e mostrou que nem só de Norberto Lobo vive a inventividade solista deste rectângulo. Um dos discos mais surpreendentes do ano. Não tão surpreendente assim é que Cristina Branco tenha juntado mais uma excelente entrada à sua riquíssima discografia. Não Há Só Tango em Paris, se mais não tivesse, valia desde logo pela inteligente chamada para a sua lista de colaboradores Pedro da Silva Martins, homem dos Deolinda, que lhe compôs o belíssimo tema-título.


11º - Osso Vaidoso - Animal

12º - Joana Sá - Throught This Looking Glass

13º - Jorge Palma - Com Todo o Respeito

14º - Filho da Mãe - Palácio

15º - Cristina Branco - Não Há Só Tangos em Paris
GF

Os Melhores Álbuns Nacionais de 2011: do 10º ao 7º


Sérgio Godinho deu-nos mais uma achega de classe para uma discografia de peso (cada vez maior); os Osso Vaidoso (na foto), a nova encarnação da vocalista Ana Deus e do guitarrista Alexandre Soares, focam-se num minimalismo ainda mais microscópico que os Três Tristes Tigres para mais uma visão macroscópica; os Lábios (ex-Profilers) não se atrapalham com a sua costela de indie rockers para irem directos e sem delongas às canções orelhudas, de coros aguerridos, seguindo os ensinamentos dos Blondie ou dos Altered Images; e Jorge Palma volta a ser o cantautor flutuante que, à beira do precipício, vai vislumbrando o génio, mesmo que com uma estranha tentação pelo embaraço, numa bipolaridade que dá ao disco uma dimensão estupidamente humana.

10º Sérgio Godinho - Mútuo Consentimento

9º Osso Vaidoso – Animal

8º Os Lábios - Morde-me a Alma

7º Jorge Palma – Com Todo o Respeito

GP

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Nacionais 2: 16º-20º


Charie Brown estava fadado para o insucesso, mas deve ter guardado toda a sua réstia de boa sorte para lançar sobre o sexteto lisboeta que lhe pediu o nome emprestado para dar abrigo a canções feitas de Fleet Foxes, Dodos, Tim Buckley ou Animal Collective. A Les Inrocks não tardou a declará-los amor de Verão. Falta agora o campeonato de Inverno para os You Can't Win, Charlie Brown (na foto). Muitos, muitos anos demorou a chegar o disco de Fernando Alvim, o notável viola que sempre acompanhou Carlos Paredes, e que andou demasiados anos na sombra, a dar aos outros. Pediu de volta agora, com um excelente disco de fados e canções. As canções foram também o ponto de partida para o trio de Júlio Resende, com o jazz a meter o nariz (e bem) no cancioneiro pop. Pop é coisa que nem de binóculos se vislumbra no disco do RED Trio com John Butcher - freeíssimo, sem travões ou concessões. Liberdade também é palavra cara a Rita Braga, rapariga fascinadas pelos anos 20 norte-americanos, mas que canta em inglês, português, russo ou grego com a mesma naturalidade de quem janta num diner fora de horas.

20º - Júlio Resende Trio - Tastes Like a Song


19º - Fernando Alvim - Os Fados e as Canções do Alvim


18º - RED Trio w/ John Butcher - Empire


17º - Rita Braga - Cherries that Went to the Police


16º – You Can’t Win, Charlie Brown – Chromatic


GF

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os Melhores Álbuns Nacionais de 2011: 15º a 11º

Início de viagem dentro de fronteiras. Rodrigo Leão parece curado da epidemia de Giftite que o vitimou nos dois álbuns interiores; os Tiguana Bibles, com cantora escocesa, podiam-se misturar na frente feminina do indie rock anglo-americano; o mesmo se pode dizer dos You Can’t Win Charlie Brown mas no meio da neo-folk internacional de eleição; os Houdini Blues continuam a refinar o seu caminho para sul, a partir do norte (ou o imaginário world music assente numa base física de rock); e os Buraka Som Sistema (na foto) conseguem esticar mais um bocadinho os efeitos positivos da sua invenção de kuduro electrónico, com a ajuda de um dos grandes temas do ano: (We Stay) Up All Night.

15º Rodrigo Leão - A Montanha Mágica


14º Tiguana Bibles - In Loving Memory of…


13º Houdini Blues - Suão


12º You Can’t Win Charlie Brown – Chromatic


11º Buraka Som Sistema – Komba


GP

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 1º-2º


No pós-Los Hermanos, Marcelo Camelo tornou-se rapidamente a melhor coisinha que a música brasileira tem para nos oferecer nos dias que correm. E graças a uma combinação irrepetível de um apuro pop filho da mãe com uma estruturação das canções que nada tem de clássica. O extraordinário é que, em vez de dinamitar o processo e passar-se em absoluto para o lado da experimentação, Camelo continua a jogar dentro do tabuleiro da pop. Simplesmente, descobriu-lhe casas que não sabíamos poderem ser ocupadas.
PJ Harvey olhou para trás, não para o seu passado pessoal mas para o do seu país, para a relação histórica e física de um povo com as marcas da guerra, e inventou um disco que a devolve para a primeira linha da criação pop/rock. Desta vez, no entanto, a visceralidade que tantas vezes empurrou para cima da guitarra foi substituída por uma contenção mais aguçada ainda, uma faca espetada que dói mais porque não rasga logo a pele, antes a vai macerando até conseguir entrar. Let England Shake é um disco que abala como só a melhor folk consegue. Isto está ao nível das canções sanguinolentas dos apalaches ou da folk revolucionária de Woody Guthrie. Tal como tantas situações de guerra, Polly Jean lançou o seu projéctil musical e queimou tudo à volta. Ao pé deste disco (do ano), qualquer outro sai chamuscado.

2º - Marcelo Camelo - Toque Dela


1º - PJ Harvey - Let England Shake






GF

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: 2º e 1º


"Anna Calvi" é uma travessia gloriosa para o estrelato indie, em dez canções monumentais e urgentes (sem excepção), feitas de elegância pop e de uma crueza bluesy, alteadas por uma forma transcendente de canto lírico que faz do rock um palco de drama no seu melhor. Parece impossível fazer melhor, mas a talentosa guitarrista de cabelos doirados que passámos a idolatrar não se deve ficar por aqui. Isto é ainda só o começo.

Mesmo que perante uma discografia sem falhas, já nos tínhamos conformado em situar o período áureo de PJ Harvey naquela tripla dos anos 90 Rid of Me/To Bring You My Love/Is This Desire. Quem não se conformou com isso foi a própria PJ Harvey que desencantou, com mais de 40 anos de idade, a sua grande obra-prima, "Let England Shake", um disco conceitual sobre os conflitos bélicos da sua Inglaterra, que é uma fronteira indefinida entre rock e folk, entre o som etéreo dos Cocteau Twins (mas PJ Harvey é demasiado grande para caber num expositor da 4AD) e os ares rupestres das manas Shirley and Dolly Collins (só que PJ Harvey não é nenhuma Jane Austen do rock). Enquanto a Europa e Inglaterra se desmoronam, PJ Harvey volta a encontrar um rumo. Ninguém apanha a grande camaleoa indie que é cada vez mais a mulher do rock com melhor reportório de sempre. O disco do ano é dela.

2º Anna Calvi - Anna Calvi

PJ Harvey - Let England Shake

GP

Melhores Álbuns Internacionais 2: 3º-4º


A uns exigimos a mudança. A outros agradecemos o contrário. E o contrário no caso dos Tinariwen era terem gente dos Wilco e dos TV on the Radio a gravar consigo no deserto, mas não eles a viajaram para Brooklyn ou Nashville e gravar em estúdios cujo calor só deve existir por sobre-esforço do ar condicionado. Está tudo na mesma, a mesma doce e desamparada dolência do Saara, e as mesmas canções de nos pôr os ouvidos a escorrer suor. E que bom é quando a música sua assim.
De Tom Waits (na foto, para o caso de o terem confundido com o Ibrahim), já se sabe que não há como esperar coisas más. Depois de um par de deslizes nos 80s (o que quer simplesmente dizer discos bons, mas não brilhantes), já há muito que não falha um. Bad as Me é génio outra vez, blues com miúdos (vísceras, entenda-se), Marc Ribot a espalhar a guitarra por todo o lado, Keith Richards a querer fazer qualquer coisa de relevante na História da música no pós-memórias. E Waits, claro, sempre a vociferar mais alto, como se espantasse gente do seu alpendre.

4º - Tinariwen - Tassili



3º - Tom Waits - Bad as Me


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: 4º e 3º


Eis segundos álbuns, em quarto e terceiro, que superam os primeiros discos de ambos os nomes. O talento precoce do californiano Tyler, The Creator esmurra-nos no estômago num documento que escapa a ortodoxias, e que talvez arrisque a misoginia, aperfeiçoando o impacto artístico do hip hop com uma musicalidade intrigante.
Do outro lado da América, temos o projecto Bon Iver com as marchas de bateria arrítmicas (engenho slowcore que conhecíamos dos Red House Painters), o permanente falsete de Justin Vernon (na foto) e o seu grande pulmão de cantor soul encaixado num corpo folk que, juntos, formam um efeito de deslumbramento ainda maior que a obra de estreia, "For Emma, Forever Ago". Um portento.

4º Tyler, The Creator – Goblin


3º Bon Iver - Bon Iver


GP

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 5º-6º


É como se Julianna Barwick (na foto) se multiplicasse por quatro, cantasse de outros tantos picos montanhosos à sua volta, e no meio, lá em baixo, registasse com um pequeno gravador a forma como as suas vozes se vão enleando umas nas outras, sempre numa manta feérica que permanece lá em cima, como uma camada de nevoeiro. The Magic Place é o registo encantado de canções que não querem sê-lo, que à pergunta "onde está o refrão?" respondem "ãhn?!?!?" e são conduzidas apenas por uma despreocupada e desacelerada busca pela beleza mais pura.
Quanto aos Dodos, continuam a ser uma espécie de versão acústica e arrumadinha dos Animal Collective, mas cada vez mais isto deixa de soar a adaptação dos outros e passa a ser uma linguagem própria. Na verdade, No Color permite pela primeira vez a entrada em cena de guitarras eléctrica, o que ajuda à excitação de pulinhos na cadeira dada por cada canção, mas não desvia do universo onde se enfiaram. Neko Case deu uma perninha, não se desequilibrou, e esta gente fez um dos discos mais viciantes deste mundo em 2011.

6º - Julianna Barwick - The Magic Place


5º - The Dodos - No Color


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: 6º e 5º


"Gloss Drop" é um somatório de prodígios de math-rock que levam a cálculos desconcertantes que abalam velhos teoremas da pop. Num abuso do absurdo, dir-se-ia que o disco dos Battles funciona como uma peça de música contemporânea, assente numa virilidade pop-rockeira pouco académica, que se atreve a algumas razias ao imaginário das bandas sonoras dos filmes de Stanley Kubrick da autoria de Walter Carlos (ouvir por exemplo 'Todler', uma espécie de barroco futurista). Se há álbum de 2011 que é pertinente, é este.

Uma elegância sussurrada numa avalanche de canções de primeira, uma discrição charmosa com um toque de enigma e uma forma glaciar de synth-pop cerebral com um sentido de equilíbrio invulgar fazem deste terceiro álbum dos Metronomy (na foto) um clássico dos novos tempos, com a mesma emergência do longo de estreia homónimo dos xx.

6º Battles - Gloss Drop

5º Metronomy - The English Riviera

GP

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 7º-8º


Em Lubumbashi, perto da fronteira do Congo com a Zâmbia, existe uma música chamada karindula – que partilha a sua designação com o nome do instrumento que a propulsiona quase por inteiro, uma espécie de banjo gigante de quatro cordas, tão artesanal quanto se possa imaginar, cujas melodias se tornam eminentemente rítmicas, tocado no chão. É disto, desta música crua e sem artifícios que vive o disco+filme Karindula Sessions. Uma maravilha musical em estado bruto.
Fatoumata Diawara (na foto) fecha o triângulo das cantoras malianas, algures entre as suas companheiras Oumou Sangaré e Rokia Traoré, entre a elegância clássica da primeira e o arrojo rockeiro da segunda. Depois de aproveitar um convite para trabalhar com uma companhia de teatro em França, Fatoumata fugiu a fim de poder levantar uma guitarra sem ter de ter cuidado com quem estava no seu campo de visão. Fatou, um disco de delícia absoluta, chega com o apadrinhamento do ex-Led Zeppelin John Paul Jones, de Toumani Diabaté e de Tony Allen.

8º - Vários - Karindula Sessions


7º - Fatoumata Diawara - Fatou


GF

domingo, 18 de dezembro de 2011

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: 8º e 7º


Copy & paste exacto e quase exacto do aqui deixei escrito no blogue. Aqui vai… De um canto erudito a outro gótico, surge alguma fumarada shoegazer que enche a pista electrónica dos canadianos Austra e a encaminha, qual magia criativa, para uma paisagem ao ar livre deslumbrante. Feel It Break está umas horas mais à frente das sonoridades mais sombrias Zola Jesus ou Fever Ray, nos céus, já à procura da Aurora, a deusa romana da alvorada. E talvez o consiga.
A telepatia única entre os três Beasties está para durar. Continuam uns garotos. O grandioso património musical dos Beastie Boys, longe se esgotar no hip hop, impede que a metodologia recorrente se transforme numa insipidez rotineira. Muito longe disso. A poderosa festa de "Hot Sauce Committee Part Two" faz esquecer o drama que tem envolvido Adam Yauch, ainda a tratar de um cancro nas glândulas salivares.

8º Austra - Feel It Break

7º Beastie Boys - Hot Sauce Committee Part Two

GP

Cesária foi lá ter com elas

Não foi preciso morrer para pertencer ao plano de divas incomparáveis, Cesária Évora já por lá cantava quando cá estava. Tal como as poucas outras. Mas vale a pena recordar um plano igual de incomparáveis. Pode ser este.

Cesária Évora


Amália Rodrigues


Elis Regina


Nina Simone


Bessie Smith


GP

Breve interrupção da contagem dos melhores do ano.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Césaria


Cesária Évora não é mulher de gastar palavras. Prefere guardá-las para o palco, quando tem de cantá-las. Por isso, quando é entrevistada, responde tudo curto e grosso, muitas vezes com um humor tão desarmante quanto sincero, reagindo contra os ‘ralhetes’ que a tradutora e amiga lhe vai fazendo a propósito da sua saúde. Aos 67 anos, Cesária diz que se acostumou a andar em digressão e estar longe do país do seu coração. «Estou tão habituada que é como beber um copo de água», compara.
Mas agora que está a lançar Nha Sentimento, a ‘diva dos pés descalços’ admite que está a reduzir o número de concertos, «para aproveitar melhor a casa». Mas também porque há um ano teve um AVC em palco, na Austrália, embora tenha terminado o concerto sem que ninguém reparasse em qualquer anomalia. Cesária desvaloriza: «O braço morreu. Mas depois o braço voltou à vida». E quando a tradutora lembra que o problema não era exactamente do braço, Cesária arruma a questão: «Eu só senti no braço, não senti nada no coração e se tivesse mal na cabeça não tinha metido estas músicas novas todas na cabeça».
Ainda são lembradas as palavras do médico que a observou, proibindo-a de fumar e beber, dizendo-lhe que teve muita sorte. Cesária puxa de um cigarro e graceja: «Sim, podia ter ficado com a boca à banda a cantar ‘sodade’». Mas não se fica por aí e acrescenta: «Deus deu-me um sinal e eu não vi». E o cigarro lá se acende.
Como facilmente se percebe, a morte não mete medo à cantora. Se lhe bater à porta antes do esperado, garante que abrirá os braços para a receber condignamente. «Não tenho medo nem das coisas ruins, dos maus espíritos ou dos fantasmas. Só das pessoas vivas. Tenho medo que uma pessoa chegue perto de mim e me leve as minhas jóias», confessa.
Desde os 19 anos que da voz de Cesária se ouvem os lamentos de amores desfeitos e da melancolia das ilhas de Cabo Verde, pela mão de mornas cantadas com notável elegância. Desde esse início de carreira, diz que pouco mudou na sua vida. A diferença é que antes «morava com a mãe, ela é que pagava as rendas» e depois de muito ter cantado por todo o mundo comprou uma casa e um carro para dar as suas voltas à noite pelo Mindelo.
Agora, sempre que regressa a casa depois de uma digressão que a afasta por vezes meses a fio de Cabo Verde, diz que assim que põe o pé na porta lhe saem as mesmas palavras: «Aleluia, já fui fazer o que tinha a fazer e já voltei, graças a Deus».

(publicado no semanário Sol em Outubro de 2009)

GF

Melhores Álbuns Internacionais 2: 9º-10º


Duas surpresas com fundos acústicos: Thurston Moore desligou-se da electricidade, foi buscar Beck para a produção e gravou um disco belíssimo. Beck fez com o homem dos Sonic Youth o que já tinha aplicado a si com efeitos igualmente arrebatadores. No fundo, Demolished Thoughts é aquilo que Sea Change fora para Beck. Arranjos de cordas com uma melancolia gainsbourguiana e uma sumptuosidade maravilhosa. Simplesmente, com Thurston tudo é sempre um bocadinho mais enviesado.

Sam Beam (ou Iron and Wine, na foto) percebeu que a sua folk pastoral podia ser movida a outra coisa que não tristeza patológica. Kiss Each Other Clean é um encolher de ombros em que o homem se limita a reconhecer que até é um tipo feliz e que as suas canções podem enrolar-se livremente nessa ideia. Daí que a escolha abaixo seja a confissão disso mesmo - "Glad Man Singing".

10º - Thurston Moore - Demolished Thoughts


9º - Iron and Wine - Kiss Each Other Clean


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: 10º e 9º



Um gigantesco laboratório de ideias, um amontoado de colaboradores (incluindo o multifacetado pianista Chilly Gonzales), muitas camadas musicais e no entanto uma música tão leve: esta é a Feist no seu melhor, outra vez.

Os Black Keys voltaram a saborear o doce sabor do trono do blues-rock. Depois do bombardeamento de temas de rock & roll autêntico em “Brothers”, assentes em riffs e melodias que encaixam bem, "El Camino" mantém os Black Keys com a metralhadora carregada, a disparar acertadamente.

10º The Black Keys - El Camino

9º Feist – Metals


GP

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 11º-15º


Quando acerta, a cantora francesa Camille (na foto) é a melhor coisa do mundo. E com Ilo Veyou acerta muitas vezes. Talvez não tantas quanto com os anteriores Le Sac des Filles e Le Fil, mas ainda assim o suficiente para que Feist não conste desta lista. Fazendo uma lista daquelas coisas que só se ouvem na adolescência e em seguida se esquecem para todo o sempre, uma delas pode muito bem ser o black metal. "Holdin on to Black Metal", o single de Circuital, dos hiper-mega-maravilhosos My Morning Jacket, é isso mesmo -a dificuldade de abrir mão dos afectos formativos. Formados nas escolas de Phil Spector, os Cults foram a primeiríssima contratação de Lily Allen para a sua editora e são, muito sinceramente, uma daquelas delícias musicais que dão vontade de comer. Ora ninguém aqui quer comer Britney Spears, mas era justo dar-lhe um prémio por um dos mais brilhantes discos escancaradamente pop dos últimos anos. Femme Fatale não tem uma única canção que fique na mediania. É tudo do melhor. E uma das melhores coisas que se pode fazer hoje em dia é dar ouvidos aos Animal Collective. Para os Munch Munch isso é tão natural quanto ouvir Mars Volta. O resultado é precisamente isso.

15º - My Morning Jacket - Circuital


14º - Camille – Ilo Veyou


13º - Cults - Cults


12º - Britney Spears - Femme Fatale


11º - Munch Munch - Double Visions


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: do 15º ao 11º


Eleanor Friedberger soltou-se da plataforma mais experimental dos Fiery Furnaces para encaixar num formato mais pop (mas modelar); o mundo fabulesco dos Florence + The Machine ganha maior maturidade (mesmo que parte do mundo discorde); Thurston Moore já tratou pelos seus próprios meios de fazer um seguro sentimental para os seus fãs caso os Sonic Youth terminem; Raphael Saadiq (na foto) paga com o imenso talento que tem os plenos poderes que goza no universo afro-americano; e os Decemberists fazem uma espécie de tributo folk aos REM. Tudo isto é muito bom.

15º Eleanor Friedberger – Last Summer

14º Florence + The Machine - Cerimonials

13º Thurston Moore - Demolished Thoughts

12º Raphael Saadiq - Stone Rollin'

11º The Decemberists – The King Is Dead

GP

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 16º-20º


Jill Scott (na foto) é, por assim dizer, uma anti-diva. Se a isto juntarmos uma obsessão com a palavra que frequentemente a torna mais íntima de Ursula Rucker – migra, sazonalmente, para terras do spoken word – do que de Beyoncé, percebemos que essa coisa de ser escrava de música apontada ao rabo não é fórmula que lhe sirva (excerto de texto publico no Ípsilon). Quanto a Anna Calvi, a única fórmula que pode ocorrer-nos é a de que Jeff Buckley encarnou numa mulher e a sua música não se perdeu totalmente - o disco de estreia dela, cheira, será melhor do que teria sido o segundo dele. Emmylou Harris, a senhora do cabelo prateado mais belo deste universo, essa deve cheirar a rosas. A sua country continua a ser feita de uma elegância quase impossível. E impossível é também o número de projectos em que se mete o saxofone-tectónico de Ken Vandermark. Side A é só o mais recente e magnífico projecto. DRC Music é apenas isso, um projecto. Damon Albarn, Dan the Automator, TEED e outros que tais foram ao Congo fazer umd isco em cinco dias. E resultou, magnífico, sem roubar a alma a ninguém.

20º – DRC Music – Kinshasa One Two


19º – Emmylou Harris – Hard Bargain


18º – Side A – A New Margin


17º - Anna Calvi - Anna Calvi


16º - Jill Scott - The Light of the Sun


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: do 20º ao 16º


Mais uma mão cheia de música no avanço da contagem. Wanda Jackson (na foto) relembra-nos quem é ainda a diva maior do rockabilly; o country-rock dos Iron & Wine plana cada vez melhor no jazz; a guerrilha punk feminista volta ao seu melhor por obra e graça do super-colectivo Wild Flag; os Cults entram pela noite americana adentro rumo ao sonho; e Kurt Vile cimenta o seu nome como uma espécie mestiça de cantautor da garagem rockeira.

20º Wanda Jackson - The Party Ain't Over

19º Iron & Wine – Kiss Each Other Clean

18º Wild Flag – Wild Flag

17º Cults - Cults

16º Kurt Vile - Smoke Ring For My Halo

GP

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 21º-25º


Da selecção sub-21 canadiana constam, a titulares, os Braids (na foto). Gente boa, com um altar dedicado aos Animal Collective e um rosário enrolado na mão com a figura de Björk. Música fresca, ainda sem tempo para ceder aos vícios, de uma inocência adolescente e uma fabricação de gente graúda. Um maravilhamento. Maravilhas, mas desta vez delicadas, são a especialidade de Delicate Steve, outro rapaz com mais idade para ser filho do que para ser pai, e que forja divertimentos para guitarra na solidão de um quarto forrado com pedais de efeitos. Já para Hanni El Khatib - não preenche as quotas da world music, não senhora -, efeitos é coisa para manter à distância. No seu bairro, as canções são para andar à navalhada e o seu garage rock pintado com doo wop é coisa sem espinhas. Na garganta de Adele também não deve haver espinhas, que aquela voz não encontra atrito algum ao sair-lhe da boca, imensa, magistral, no dia em que a soul foi com a pop e a country no comboio ao circo. Não há circo, não há palhaços; não há dinheiro, mas há amor. "Money", dos Drums, é a mais bela canção de amor para os tempos que correm. Canção de amor para os tesos.

25º - Delicate Steve - Wondervisions


24º - Hanni El Khatib - Will the Guns Come Out


23º - Adele - 21


22º - Braids - Native Speaker


21º – The Drums - Portamento


GF

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: do 25º ao 21º


Mais uma dose de saladas, com um pouco de tudo. Temos hoje a assertividade do country-rock dos Drive-By Truckers; o súbito desalinhamento de um Ben Harper à flor da pele; a montanha russa da soul-pop de Adele; o romantismo dos Strange Boys (na foto) com ecos do Dylan electrificado; e o new wave dinâmico, que engole os últimos trinta anos, dos regressados Cars.

25º Drive-By Truckers – Go-Go Boots


24º Ben Harper - Give Till It's Gone


23º Adele - 21


22º Strange Boys – Live Music


21º The Cars – Move Like This


GP

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Melhores Álbuns Internacionais 2: 26º - 30º


Há uma nova Kate Bush na cidade. Chama-se Tori Amos, tem 44 anos, já canta com a filha e gravou o seu primeiro disco para a Deutsche Grammophon inspirada nos ciclos de canções da clássica. Já os Givers são tão novinhos que música clássica para eles deve ser o Unplugged dos Nirvana. Só que onde uns davam balázios na cabeça, estes celebram a vida como se tudo fosse um mar de rosas e, eles, mesmo nus na sua bela inocência, não se picassem. Os YACHT foram picados pelos Talking Heads. E são a melhor banda que existe nessa categoria, sem soares a plágio com P de planta. Plantas não devem faltar lá onde Lia Ices faz as suas músicas, pequenas delícias etéreas que parecem largadas para despistar Hansel e Gretel. A propósito, o que estás a ouvir, Gretel? Olha, é aquele trio do Gerry Hemingway em que o tipo malha como o Santos Silva mas na bateria, e traz ainda um contrabaixo e um trombone. Obrigado, Gretel.

30º - BassDrumBone - The Other Parade


29º - Lia Ices - Grown Unknown


28º - YACHT - Shangri-La


27º - Givers - In Light


26º – Tori Amos – Night of Hunters


GF

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Os Melhores Álbuns Internacionais de 2011: do 30º ao 26º


O homem da voz e do megafone das cavernas (Tom Waits) dá-nos do mesmo (do bom); os homens dos sons das cavernas (os Arbouretum) atraem os fantasmas dos Black Sabbath e tocam no esqueleto do grunge; Lenny Kravitz reencontrou-se vinte anos depois; os TV on the Radio voltam experimentar a luz (radiosa) do rock para mais retratos pertinentes; e os Vaccines fazem-nos espreguiçar, sonhadores, num modelo radiofónico clássico.

30º Lenny Kravitz - Black and White America


29º The Vaccines – What Did You Expect from The Vaccines


28º Arbouretum - The Gathering


27º Tom Waits – Bad As Me


26º TV on the Radio – Nine Types of Light


GP