terça-feira, 26 de julho de 2011

Prazer Culposo


Dire Straits, 'So Far Away' - perfeito para a sala de pool

Quando tinha 12 anos e basicamente era outra pessoa, gostava de Dire Straits. Sem a imunidade de bom gosto ou de uma maior maturidade, também eu fui afectado por essa praga que vitimou metade dos ouvidos nacionais. A banda de Mark Knopfler era uma instituição entre nós. E eu, da forma que podia, participei naquilo, ouvindo ou aceitando (ou gostando: é este o verbo certo), numa idade parva e sem identidade, muito borbulhenta e com buço, que apetece esquecer, sobretudo nos álbuns de fotografia. Tive dois meses, tive quatro anos, tive sete, onze vá. E depois só dezassete. Doze/treze é que não.

Quando aos meus 16 anos, os Dire Straits lançam aquele que viria a ser o seu último álbum, "On Every Street", já os meus gostos eram consideravelmente diferentes embora frescos, com a banda de Knopler ainda situada num território dúbio de apreciação. Numa bela noite (repare-se na adjectivação irónica), quando a RTP2 transmitia concertos à segunda-feira (hábito de curtíssima duração), a minha relação com os Dire Straits definir-se-ia, com outros contornos. O espectáculo do grupo britânico que passava na estação pública pertencia à digressão promocional de "On Every Street", a mesma que passaria pelo antigo Estádio de Alvalade. Os Dire Straits estavam a interpretar os temas com uma fidelidade e uma precisão perfeitas... Adormeci. Os temas arrastavam-se, não acabavam, julgo. Os Dire Straits tinham-se tornado na banda mais chata do planeta. A pessoa que se predispôs para gravar o concerto, eu mesmo, já não era a mesma que retirou a videocassete do leitor, eu mesmo. A cassete VHS foi desgravada. Os Dire Straits foram riscados. Que raio fazia eu àquela hora?

Quando aos meus dezanove/vinte pensava que a minha relação com os Dire Straits se tinha encerrado, estava enganado. Um final mais feliz reservar-me-ia. Estava eu no mais insípido dos locais do Algarve, Vilamoura (onde os meus pais têm um apartamento), a jogar o snooker dos nabos, o pool (também descrito pelos espanhóis e brasileiros como bilhar americano), com o meu irmão contra dois betinhos com sotaque do Porto. Enquanto ia dando as tacadas erradas e falhando os buracos, o disco que passava no salão de jogos era o famoso "Brothers in Arms" dos Dire Straits. Quando o que se ouvia era 'So Far Away', o membro mais pimpão da minha dupla adversária comenta para o seu parceiro que o álbum que está a passar por inteiro é o "Money for Nothing". Esforcei-me para não o corrigir, porque sabia bem que essa compilação de que falava não tinha o 'So Far Away'. Sabia bem porque era o único disco que eu tinha dos Dire Straits. E 'So Far Away' era o grande tema que não constava na dita colectânea. Mas bem mais importante que ouvir uma imprecisão, era perceber que naquele momento o tema 'So Far Away' me estava a saber bem. Com a sofreguidão de um fruto proibido a que não tive acesso anos antes. Passados quase dez anos, estava a remediar o mal com um prazer intenso vivido segundo a segundo da canção. Que diabos, aquela música estava a soar-me bem.

Num espaço de quatro minutos, e só naquele espaço de quatro minutos (não me venham falar do 'Sultans of Swing' e dos primeiros tempos), aquele low profile do homem principal (sim, Mark Knopfler), aquele virtuosismo na guitarra eléctrica e aquele som tão americano vindo de uma banda inglesa encaixavam no goto. Por apenas quatro minutos, pode prescindir-se da militância por um som mais transgressor e espreguiçar naquele rock clássico de tom vespertino e vagaroso, perfeito para ser ouvido numa sala de jogos. Por apenas quatro minutos, pode amar-se uma banda que se detesta. A culpa é de 'So Far Away'.



GP

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Amanhã há disto em Sines


Eles olharam para o 'Ocidente' e na sua tentativa de fazer igual fizeram, parece que sim, melhor. Congotronics é likembes electrificados como se fossem guitarras eléctricas percutidas. É uma torrente rítmica que não temos sequer braços para agarrar. É uma maravilha que, agora, encontra-se a meio caminho, em palco, com gente como Juana Molina, Skeletons ou Deerhoof. Amanhã, em Sines, Congotronics vs. Rockers - os congoleses Konono nº1 e Kasaï Allstars como se fossem rock stars. Vai ser, não há como falhar, uma maravilha...



GF

Hoje há disto em Sines, pt2


Alimentando a velha relação entre o festival e o jazz de ponta mergulhado nas águas do Mar Morto (habitualmente com representantes da editora Tzadik, de John Zorn), este ano a quota é assegurada pelos Secret Chiefs 3. Banda liderada por Trey Spruance e com gente que, tal como ele, passou pelos alucinados Mr. Bungle. Música para abanar os sentidos.



GF

Hoje há disto em Sines, pt 1


Três alaúdes palestinianos dão o assombroso resultado do Le Trio Joubran. Lá para as 21h45, depois do habitual discurso do presidente da câmara, a hipnose tem lugar marcado (depois, não durante - calma!). Os nossos lugares também já lá estão.



GF

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Clássico na Loja


Townes Van Zandt – Our Mother the Mountain (1969)

Townes Van Zandt, o homem de face rígida que pouco sorri, poderia misturar-se facilmente no pelotão da frente dos cantautores americanos de hoje, naquele híbrido inseparável entre country e folk que lhe reconhecemos.

O final dos anos 60 e o início dos anos 70 fazem parte do período mais fértil do compositor, quando a sua melancolia, demasiado amarga e crua para ser lamecha, o conduzia para uma dimensão musical mais alta, e ainda não o fustigava para uma parasitária e futura dependência de álcool e heroína.

Dessa fase mais produtiva, ressalta como a maior penada de canções brilhantes “Our Mother the Mountain”, ao qual pertence ‘St. John The Gambler’, ‘Tecumseh Valley’, ‘Snake Mountain Blues’ e aquela que é uma das sete maravilhas da pop orquestral, ‘Kathleen’ (na qual os Tinderscticks se inspiraram para uma versão e para todo um reportório de originais). As letras, e o homem Van Zandt, caminham para o abismo; as canções vão para um plano supremo. Perdemos a encarnação do músico, jamais o seu espírito.








GP

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A luta continua


Super Bock Super Rock ’11: top five pessoal

Fazer um festival como o Super Bock Super Rock naquele pinhal de Cabeço da Flauta tem qualquer coisa de empreendimento à Werner Herzog, numa luta louca contra a natureza em que nem sempre o homem vence. Um excesso de pó apocalíptico e um som à deriva do vento são pormenores de um permanente desconforto iniciado com um engarrafamento absurdo de três horas na única estrada que nos poderia levar ao recinto logo no primeiro dia. Mas, por momentos, a música conseguiu impor-se. Anota-se apenas os melhores casos.

1º Portishead no Palco Super Bock (2º dia, noite avançada)
Foram a única infra-estrutura humana que se conseguiu instalar de pedra e cal, contra os infortúnios do agreste local. O som trip-hop hipnótico com raios de experimentalismo engasgado à Neu, uma voz charmosa (da mulher de olhos fechados Beth Gibbons) e um cinema à larga escala quase que deram, no total, o efeito esmagador da primeira passagem de todas, no Sudoeste em 1998. Andaram lá perto.

2º PAUS no Palco EDP (3º dia, final de tarde)
Paus há quatro. Isto é, dois bateristas (Joaquim Albergaria e Hélio Morais) num frente-a-frente; e num degrau acima dois teclistas (Makoto e João Shela). Ensaiam uma nova fórmula que dá um misto curioso entre tribalismo e futurismo. O cruzamento genético entre o experimentalismo rock dos Can e o pioneirismo electrónico dos Kraftwerk tem finalmente um filho que afinal é bem português (e não alemão). Venha esse primeiro álbum em Outubro.
Escrito baseado em texto assinado para o Cotonete.

3º X-Wife no Palco Super Bock (3º dia, final de tarde)
Olhando para o à-vontade com que se move a banda de João Vieira com o seu garage-rock electrónico naquele ambiente de festival, pergunta-se: porque não os vemos mais nestes eventos? A aposta do cartaz deste festival na música nacional parece vingada.

4º Arcade Fire no Palco Super Bock (2º dia, início de madrugada)
Tendo em conta os antecedentes, o normal seria colocar os Arcade Fire no topo da lista. Mas os velhos problemas técnicos que afectam o grupo passaram de detalhe a questão central, num som que esteve demasiado fugido para poder ser sentido. A mecânica mais rotineira da banda do simpático Win Butler também não ajudou a conquistar cépticos - uma especialidade que dantes lhe reconhecíamos em palco. Mas não nos importávamos de voltar a ver a dança de Regine Chassagne com as tiras de pano esvoaçantes em Sprawl II (Mountains Beyond Mountains).

5º The Strokes no Palco Super Bock (3º dia, início de madrugada)
Trouxeram as roupas ‘cool’ e as suas grandes canções - o que, em modo QB, dá uma hora bem passada (talvez mais). Mas as cabeças já estavam noutro lugar, longe de uns dos outros. Os comentários entredentes e as private jokes de Julian Casablancas não auguram nada de bom. Vimos os Strokes mas já não vimos a banda.

GP

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Apontamentos Alive - 4.2 Jane's Addiction


De regresso marcado parecem estar os Jane's Addiction. Pelo menos, foi isso que Perry Farrell deu a entender em entrevista televisiva. Espermos bem que sim, porque a actuação dos Jane's Addiction foi mais uma daquelas que, embora pecando por tardia, não deixou a sensação de ter vindo tão tarde que a música nos apareceu já artrítica, pouco elásticas, desbotada. Nada disso. Estranhamente, foi como se Ritual de lo Habitual tivesse sido lançado há um par de anos. E foi quase só por aí e por Nothing's Shocking que o concerto - de pouco mais de uma hora - passou. 'Just Because' foi a única de Strays, 'End to the Lies" a única do novo que ainda há-de vir.

E tornou-se claro que os Jane's Addiction não só são uma belíssima banda de concerto como igualmente que Farrell e Stephen Perkins são os motores de uma originalidade que entregue a Dave Navarro redundaria simplesmente noutro combo hard rock igual a todos os outros. O tom psicadélico que invade alarvemente as criações dos Jane's Addiction parte necessariamente de Farrell, ou não fosse ele o promotor mor da alucinação em palco. De sorriso constante, num qualquer plano espiritual que nos ultrapassa, o homem foi debitando os clássicos todos, de "Been Caught Stealing" e "Three Days" a "Jane Says" ou "Stop!".

Maravilha de concerto para encerrar o festival. Depois ainda houve Duck Sauce e outras coisas, mas o maravilhamento rock terminara aqui, numa sequência iluminada: Iggy, Grinderman, TV on the Radio, Anna Calvi, Jane's Addiction. Para o ano há mais.

GF

Apontamentos Alive - 4.1 TV on the Radio


Da malta nova, este foi o grande concerto do festival. Com um alinhamento sabiamente preparado, a união de facto entre rock e soul foi subindo de tom, terminando numa sequência perfeitamente irresistível. Não houve corpo que se opusesse à flautada para erguer serpentes que esta malta de Brooklyn assinou no seu concerto do Alive.

As anteriores passagens do grupo por Portugal tinham sido sempre brindadas com um som na ordem do miserável, mas, desta vez, com o problema resolvido, finalmente percebemos o porquê de os TV on the Radio serem uma das melhores bandas do planeta ao vivo. Canções enormes atrás de canções gigantes, um desfile sem mácula e tremendo em intensidade da discografia do grupo, fazendo crescer água na boca - esta gente havia de voltar e fazer da Aula Magna um caldeirão borbulhante de soul.

GF

Apontamentos Alive - 3.2 Grinderman


Se Cormac McCarthy escreveu Este País Não É Para Velhos e as investidas ficcionais de Nick Cave andam por esses lados, é justo dizer que este foi um festival especialmente indicada para velhos - em cima do palco. Depois de Iggy Pop, foi reconfortante ver Cave, o temível Warren Ellis e companhia surgirem com os seus Grinderman como se de os Birthday Party se tratasse. Um dos seus sentido de 'grind' é triturar, e foi mais ou menos a isso que assistimos - uma máquina trituradora de rock'n'roll'n'punk, com as vísceras a pender de cada acorde saturado de distorção e cada nota de um teclado que ainda devia estar cheio de limo depois de roubado aos pântanos.

Foi não menos do que demolidor. Percebe-se por que Cave quis os Grinderman e não os Bad Seeds. Esta música não pode ser alternada com baladas preocupadas com as voltas da fé. Aqui é só heresia da boa.

GF

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Apontamentos Alive - 3.1 Fleet Foxes


Um concerto de gente barbuda, camisa de cortar lenha e canções magnificamente soalheiras com vontade de pedir asilo artístico nos campos ingleses poderia não soar à melhor aposta para um palco por onde, logo em seguida, iria passar Nick Cave e outro barbudo (embora razoavelmente mais lunático). E, ainda assim, os Fleet Foxes conseguiram fazer com que as suas canções inchassem perante a exposição solar, convocassem tanto Crosby, Stills & Nash mas igualmente Richard Thompson ou Martin Carthy. A vantagem é que os Fleet Foxes pegam nesse material, agitam, juntam-lhe umas psicadelices e aquilo que sai, oh meu Deus, é música tendencialmente divina. E maravilhosamente barbuda, claro.

GF

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Óptimo Alive!


Top pessoal dos 10 melhores concertos da edição 2011 - com considerandos telegráficos.

Antes, uma mera nota pessoal: este foi dos festivais que maior barrigada de boa música me deu; o lixo foi sendo lateralizado na medida do possível.

1º - Seasick Steve no Palco Super Bock (dia 7, final de tarde)
A personalidade fascinante deste invulgar bluesman (com ar de agricultor texano) fez metade do serviço; a outra metade foi a sua imensa competência técnica (assente em instrumentos feitos de jantes ou de caixas de cigarros ou de cordas a menos). Tudo isto dá mais que 100%!

2º Jane’s Addiction no Palco Optimus (dia 9, noite cerrada)
Espectáculo com uma consistência muito acima da média festivaleira, feito de bailarinas de lingerie, som pesadão e de um provocador rebelde chamado Perry Farrell. Memorável!

3º Iggy & The Stooges no Palco Optimus (dia 7, noite)
Rock a eito em direcção à sua essência: carnal, rude, pouco diplomático. Uma lição de história para todos aprendermos e relembrarmos.

4º Anna Calvi no Palco Super Bock (dia 6, início de noite)
A menina ruiva esticou as cordas de um canto lírico para um arranhar felino na guitarra eléctrica; ou para a projecção do rock a um estado transcendente.

5º Diabo na Cruz no Palco Super Bock (dia 9, noite)
Numa linha invisível entre folclore nacional e indie rock, perante um público conhecedor que compareceu à chamada de última hora.

6º Fleet Foxes no Palco Super Bock (dia 8, final de tarde)
Apanhados em flagrante, e durante uma hora, nas suas harmonias folk poderosas. Afinal, o estúdio não mente.

7º Crocodiles no Palco Super Bock (dia 7, a meio da tarde)
Encarnação demolidora de algo parecido com os Jesus & Mary Chain da primeira fase. Há ali poder para motim da rapaziada.

8º Everything Everything no Palco Super Bock (dia 7, à tarde)
Pareciam os Coldplay, mas em bons.

9º Uffie do Palco Optimus Clubbing (dia 8, início de madrugada)
A boneca electrónica da editora Dim Mak fugiu da casa de brinquedos e portou-se mal (isto é, bem). Indomável, incasável e, provavelmente, uma stagediver recordista.

10º Kaiser Chiefs no Palco Super Bock (dia 9, fim de tarde)
Uma alcunha para o vocalista Ricky Wilson: o Forrest Gump do brit-rock. Uma das suas corridas terminou num posto de venda de cerveja. Só mesmo ele!

Concertos que não vi ou que vi mal que poderiam alterar este top: Grinderman, Primal Scream, TV on the Radio ou Orelha Negra, todos com testemunhos muito elogiosos.

GP

domingo, 10 de julho de 2011

Apontamentos Alive - 2.3 Iggy & the Stooges


Não há coisa mais elucidativa. Iggy e os Stooges entram em palco e nem esperam que o som de entretém que ocupa o PA se cale. Iggy grita "Raw Power" e a desentraitada locomotiva rock sujo em estado puro arranca. Quem quiser que vá atrás. Quem quiser que desligue o som de fundo. É um concerto próximo da incredulidade: não há um segundo de descanso, de pé em ligeira retirada do acelerador, de pausa para recuperar o fôlego.

Iggy tem 64 anos mas passeia-se pelo palco como um miúdo de 20. A música é a que sempre lhe conhecemos. Rock primário, visceral, rente ao osso, sem espaço para gorduras - quer nas músicas, quer no corpo de Iggy. Foi simplesmente isto, sempre em regime proto-punk. E foi um concerto soberbo.

Tal como no início, Iggy pouco se importou com o fim do concerto. A banda recolheu, começou a contagem decrescente para os Foo Fighters, mas o homem continuou em palco, a fazer poses e a acenar à malta. Se pudesse, tinha ficado mais umas horas em palco. Nós também tínhamos ficado a vê-lo.

GF

Apontamentos Alive - 2.2 Primal Scream


Teoricamente, a ideia parecia não menos do que péssima. Por muito que os Primal Scream sejam em tsunami em concerto, ir buscar um clássico que está tão bem na prateleira dos clássicos e tocá-lo de uma ponta à outra, 20 anos depois, arrisca-se a desaparafusar os apoios da dita prateleira e o disco ficar estatelado no chão. Mas não podia ter corrido melhor. O início de Screamadelica ao vivo no Alive foi morno (mesmo depois de um fantástico "Movin' on Up" logo a abrir), temia-se aquela sensação de 'opá, pior do que o desastre seria isto ser mais ou menos', mas rapidamente os carburadores aqueceram e olá se tivemos concerto absolutamente fenomenal.

As gentes estavam em delírio, mas as drogas dos Primal Scream já não são as mesmas. E, no entanto, Screamadelica soou não a um clássico mas a um espantoso disco a sair por estes dias, com uma pertinência à prova de bala. Bobby Gillespie não parou um segundo, as guitarras enroladas sobre elas próprias (e fumando-se em seguida) a mesma coisa, e os Rolling Stones para os anos 90 e para a cultura rock'n'rave mostraram que nem por um momento a sua proposta musical ficou datada.

Uma maravilha sobre a qual apetece babar. A vida é bela dentro de "Higher than the Sun", "Come Together" ou "Loaded".

GF

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Apontamentos Alive - 2.1 Bombay Bicycle Club


Putos ingleses com caras sem um único pêlo, certamente sem idade para beber outra coisa que não salsaparrilha e ar de quem deve estar excitado com a estreia cinematográfica do último episódio da saga Harry Potter. E, no entanto, a música que lhes sai das mãos parece vinda de mãos calejadas. E faz pensar numa coisa apenas: as bandas inglesas do universo pop/rock são devidamente escolarizadas. Assim que chega a idade de sair de casa, vêm já artilhadas com uma destreza enciclopédica de como soar a uma eficaz máquina de pop empinada em guitarras.

Felizmente para nós - e ainda que os Bombay Bicycle Club estejam ainda em processo de maturação -, o que se viu em palco foi pouco consentâneo com a natureza mais acústica de Flaws, perspectivando um regresso à electricidade táctica para A Different Kind of Fix.

Já tinha ouvido falar de vocês. Prazer em conhecer-vos.

GF

Apontamentos Alive - 1.5 These New Puritans


Estão 80 pessoas (número rigoroso, claro está) a assistir ao concerto dos These New Puritans. Mais 40 na tenda da Amor Fúria. É oficial: os Coldplay falharam estrondosamente o objectivo de ter 52 mil almas pela frente. Conseguiram o patético número de 51.880. Uma percentagem de 99,77%. Não sei se Chris Martin terá chorado com os números que o INE lhe terá apresentado no final, mas acredito que Jack Barnett, vocalista dos ingleses These New Puritans, tenha encharcado umas quantas toalhas com o desespero de apresentar o óptimo rock-o-qué-isto do grupo para um público que faria até má figura no Musicbox. Venderam-lhes a ideia de que tocar em festivais é tocar para uma multidão de desconhecidos. E, afinal, éramos todos desconhecidos, mas cabíamos bem apertadinhos num T1 em Alfama.

Ainda assim, soube bem ver como esta gente desafia classificações, levanta do chão bizarros edifícios sonoros, num ziguezaguear entre o rock, a electrónica rebelde e o hip-hop cerebral. Coisa boa. Dá vontade de dizer voltem sempre, mas cá para este Dupond esta gente não vai querer voltar a ouvir falar de Portugal nos próximos tempos. Ou dos Coldplay.

GF

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Apontamentos Alive - 1.4 Anna Calvi


Quando Anna Calvi crava os olhos fulos e a chispar chibatadas no baterista, dói de ver. O homem falhou uma entrada em "Blackout" e quase caía do banco só de cruzar-se com o esgar discreto mas em jeito de "ou atinas ou levas no focinho" da senhora, tentando ao máxima manter a sua pose de senhora saída de vídeo de Robert Palmer com absoluto decoro e total elegância.

Dói de ver porque Calvi não tem telhados de vidro. Facilmente se percebe que tudo o que lhe sai da boca e das mãos chega num estado de depuração raro. Ela é perfeccionista, deve ser obsessiva até mais não, mas depois toca e canta e a gente arrepia-se para todo o sempre. Foi um concerto curto, como se impunha, teve direito a versão de Elvis Presley e nada foi deixado ao acaso.

Tudo nesta mulher lembra Jeff Buckley. As canções, virtuosas e com um tom de erudição em matriz pop, uma voz de qualidade líricas que rasga com quaisquer clichés possíveis, um amor fácil por Presley, Piaf, Callas, Cohen ou David Lynch, e um disco de estreia tão estupidamente bom que dá medo do que vem a seguir. A seguir, espera-se, não há-de vir destino semelhante ao de Buckley. Mas um perfeccionismo destes dá medo, ai isso dá.

Concerto, claro está, perfeito. Melhor do dia.

GF

Apontamentos Alive - 1.3 Blondie


Uma fotógrafa amiga diz que, apesar da plástica, Debbie Harry aguenta bem os disparos das máquinas. E que a voz, ali bem de perto, continua com uma projecção espantosa. Um concerto dos Blondie em 2011 é isto. Mais nada.

GF

Apontamentos Alive - 1.2 Grouplove


Grouplove em palco. Olha-se e, eliminando o som, parece que temos os Blind Melon a tocar com os Redd Kross - coisa entre o hippie fora de prazo e o hippie tão desleixado e salteado que, a bem dizer, nunca chegou a ter prazo. Desliga-se o mute, vem uma massa de som e, como dizê-lo, parece que estamos na mesma perante os Redd Kross, mas krossados com guitarras e melodias vocais das Breeders, e depois guitarras e melodias vocais dos Letters to Cleo. Nos Grouplove tudo é anos 80 e 90, resquícios de Cheap Trick, college rock com pedaços de popinha alternativa, tudo a soar razoavelmente fresco e moderadamente velho. Tiveram piada, registo certo de felicidade pré-licenciatura, mas a noite de ontem pode muito bem ter sido o momento alto da carreira desta gente.

GF

Apontamentos Alive - 1.1 Twilight Singers


É uma mole de chapéus de palha do patrocinador do festival. Gente compacta, olhos no palco, cabeça nos Coldplay. Mas são seis e picos da tarde e quem se encontra em funções é Greg Dulli e os seus Twilight Singers. A malta faz o favor de aturar o homem enquanto guarda estrategicamente o lugar para conseguir ver a cor dos olhos de Chris Martin muitas horas mais tarde. É praticamente indiferente quem está pela frente, é verdadeiramente ingrato um homem deste calibre ter como público quem o quer ver simplesmente pelas costas. E, no entanto, o concerto é tão delicioso quanto pode ser nestas circunstâncias.

Os temas são sobretudo de "Dynamite Steps" - o que nem é mal escolhido, uma vez que não há êxitos para explorar (mesmo assim, o mais aparentado disso, "Teenage Wristband", canção absolutamente maravilhosa, viajou até Oeiras). Mas Dulli assim o quis. Quando o revisor adormeceu e toda a gente saltou a bordo do comboio grunge e lucrou com o facto, Dulli e os seus Afghan Whigs torceram o nariz, não facilitaram nem um pouco, e continuaram tão à margem desse mainstream que lhes era próximo quanto de todos os outros antes e depois dele. Sorte a nossa. Dulli continua aí. E não se mexeu nem um milímetro.

GF

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Na Montra

Recensão a discos recentes que nos recusamos a vender.


Bon Iver - Bon Iver
Nunca se deve abusar da palavra génio, só se deve aplicar em casos extremos como o do álbum homónimo de Bon Iver. A obra brutal em menção tem como elementos de hipnose coisas tão maravilhosas como as marchas de bateria arrítmicas (engenho slowcore que conhecíamos dos Red House Painters) ou o permanente falsete de Justin Vernon que eleva a intensidade da experiência auditiva.

Um piano ou um outro teclado delapidam, com destreza de mestre, o diamante que ali está, no brilho contemplativo de 'Hinnom, TX' e de 'Calgary' (o primeiro single de "Bon Iver") que atiram Justin Vernon para a categoria de imortal. Caso a rendição não tenha acontecido antes, a última canção, 'Beth/Rest', é jogada de xeque-mate para qualquer par de ouvidos mais familiarizado com o mundo de folk-rock.

Corte e costura de artigo publicado no site Cotonete ao nível dos melhores alfaiates.




You Can't Win, Charlie Brown - Chromatic
Passam, genuinamente, por americanos. E só outro nome português consegue isso tão bem: Sean Riley & The Slowriders. Podem esconder-se e misturar-se no reportóro de Crosby, Stills, Nash & Young e conseguem inserir-se no melhor da indie-folk actual que vem da América do Norte, com alguns extras valiosos como travessias atmosféricas mais dadas aos gostos de Brian Eno ou acessos eléctrónicos súbitos e mais experimentais de uma nação próxima da dos Radiohead.

“Chromatic” é um álbum coeso que impressiona. Impressiona pela riqueza das músicas. Impressiona porque se trata de um álbum de estreia de um sexteto português que, tão precocemente, revela uma maturidade capaz de merecer uma divulgação nas páginas de uma Uncut ou de um Guardian, lado-a-lado com outros nomes familiares da folk-rock de hoje.

Corte e costura de artigo publicado no site Cotonete ao nível dos melhores alfaiates.




tUnE-yArDs - w h o k i l l
Se o nome do projecto individual do norte-americano Merrill Garbus e os títulos de discos a que dá corpo desobedecem às regras gramaticais de maiúsculas e minúsculas, também a sua música contraria as formas correntes. Este segundo disco encaminha-os para comparações com o rock engasgado, com picante africano, dos Vampire Weekend. O que no caso é um elogio, um ponto comum, e nunca um afunilamento ou uma cópia. Isto trata-se de produto autêntico, caro cliente. E é já uma das boas surpresas de 2011. Pode comprar que não lhe vendo. Daqui é que não sai a cópia.




Neil Young – A Treasure
Se não tiver nada para dizer sobre Neil Young e lhe apetecer mandar um tiro no escuro sobre o dito, sempre pode pegar naquela frase recorrente de que «o tipo não fez nada de jeito nos anos 80». Evite é dizê-lo à frente de pessoas que conheçam pérolas de Young como This Note's for You (1988) e Freedom (1989) ou mesmo este ao vivo A Treasure, gravado nas digressões americanas de 1984-85, que agora toma a forma de rodela. Está aqui o patego de chapéu cowboy no seu melhor, a sintetizar country, folk, blues e rock, harmonizando um imenso mundo instrumental de guitarras eléctricas, pedal steel e acústicas, pianos, bateria e excitados violinos num só palco, num só estilo, quase só ao alcance do canadiano. Quando o falecido colaborador de Neil Young e participante no disco, Ben Keith, ouviu estas canções, disse qualquer coisa como «pá, isto é um tesouro». Estava tão certo que o comentário mereceu o título. Um Jack Daniel’s ao Ben, toma conta dos de lá de cima!



GP