terça-feira, 29 de março de 2011

Prazer Culposo


ABBA, os casalinhos sorridentes

Esta rubrica é o kamikaze para a credibilidade de qualquer jornalista de música. Ao entrar neste confessionário de badalhoquices, sinto-me um homem-bomba que, ao contrário dos do Médio Oriente, já conhece o paraíso antes da explosão suicida.

Arrisco perder/envergonhar/indignar leitores, amigos... Com todo o prazer. Um prazer sem complexo de culpa.

Desde logo sou contra o nome que perfilha este espaço. Admito ter prazeres disfuncionais, exóticos, ou o que lhe quiserem chamar. Mas se pensam que esses prazeres me causam um sentimento de culpa, estão totalmente enganados.

Por alguma razão, o mundo ou parte dele sentiu uma alergia a algo que merece de mim sentimentos opostos (pindéricos, dirão alguns). Decifremos então essa razão, se é que ela existe (não existe).



Começo pelo absurdo de defender não uma música mas, praticamente, toda a carreira dos ABBA. Melhor (ou pior, é como preferirem), advogo a ideia de uma evolução musical (reparem no atrevimento da palavra musical), que termina apenas com o fim do grupo (em 1982). Isto que escrevo já foi por mim defendido em locais públicos, para indignação dos meus pares de tertúlia. Como se o caso (grave) não fosse suficientemente surrealista, o conteúdo já foi oralmente expresso envergando uma t-shirt dos Spacemen 3. Estão a ver um tipo de cabelo desgrenhado, com uma t-shirt amarela fluorescente (e feia!), de tamanho L (mas na medida inglesa) e desproporcionado que mais parecia um vestido, a defender zelosamente o trabalho coerente (vou prosseguir com a adjectivação elogiosa, portanto) e calculado dos ABBA? Não estão, pois não!? Mais tarde e após muitos conselhos do bem mais lúcido espelho, tive que ceder às evidências visuais e desistir daquela peça de vestuário (que apenas por militância cega e sensação de raridade acedi comprar e usar), mas não desisti de defender os ABBA. Sou muito selectivo no ridículo.



Lembro-me de ter 17 anos e de estar na casa do meu avô, na Avenida Guerra Junqueiro (Lisboa), onde cheguei a viver. Era feriado. O 1º de Maio. A poucos metros, da Alameda D. Afonso Henriques, ouvia-se os sons do final de festa da CGTP - Intersindical. E que sons, e que final de festa! O que dali vinha era a passagem por inteiro da compilação ABBA Gold. Abri a janela do escritório, claro. E deixei-me por ali ficar. Estavam então os meus gostos a estereotipar-se no rock alternativo americano. E por isso, o gozo daquele momento estava a dar-me a consciência de uma espécie de prazer criminoso. Estava a descobrir que, afinal, adorava quase todas aquelas canções de um grupo que sempre me foi familiar.



Com o tempo, fui refinando, procurando encontrar na teoria aquilo que era indefensável, e só possível de ser contrariado pelo irracional (o doce irracional). Atente-se no jogo brutal entre as duas vozes femininas (a morena Anni-Frid e a loira Agnetha, a minha eleita), catalisador das emoções da alma pop do grupo. Na não-repetição da receita das canções - todas diferentes, quase todas êxitos. Na engenharia de estúdio bem medida dos maridos Björn e Benny. Num poderio ao vivo do quarteto que contraria a ideia de artificialismo do grupo - bem apanhado pelo documentário de Lasse Hallström, ABBA: The Movie. No picado visual às várias modas musicais (do glam ao disco sound). É-se até capaz de se ir ao ponto de se defender o álbum dos ABBA de 1977, Arrival, como se de um Remain in Light ou um Berlin se tratasse... Estou a reler neste momento o presente parágrafo, em especial a última frase, e a conclusão é esta: pirei de vez, só posso! Mas dou de caras outra vez com o arrebatamento disco sound de Gimme! Gimme! Gimme! e Lay All Your Love on Me, a flauta chilena de Fernando, o pianinho mágico de Chiquitita, o divinal complemento mútuo ente as vozes da loira e da morena ouvindo Knowing Me, Knowing You e One of Us, ou, no geral, aquela pinderiquice tão tentadora, e descubro que o que faz sentido são as canções orelhudas dos ABBA, não a ortodoxia estética.







GP

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