quarta-feira, 29 de junho de 2011

Boas velhas conhecidas


Hoje é dia de festa. Anuncia a 4AD que a 5 de Setembro será lançada Anthology, compilação dupla das oh magníficas oh celestiais Throwing Muses, a melhor psicose em forma de rock que alguma vez palmilhou os palcos. A segunda das duas rodelas será dedicada a raridades. E há ainda a promessa de concertos de Hersh e amigos lá mais para o fim do ano... Quase a fechar o primeiro CD, esta preciosidade:



GF

segunda-feira, 27 de junho de 2011

“A Árvore da Vida”, de Terrence Malick


Naquela que é a terra livre por excelência, a América, uma nuvem carregada de austeridade pesa num lar familiar dos anos 1950. Há um pai (o excelente Brad Pitt) que impõe aos seus três miúdos mais medo que respeito (tratem-no por pai, nunca por papá) e uma mãe que é mais boazinha que boa.

Nós, espectadores, somos sentados num carrossel de imagens e de acontecimentos, e de prenúncios de acontecimentos, percebendo (sem dificuldade) as dicas vitais daquele descompromisso com as matemáticas da narrativa. Descortinamos qual a vítima delfina da tragédia familiar e sofremos (tal como a mãe) com os actos de destemor dos três irmãos que a natureza à volta e a idade chamam naturalmente. Porque há sempre, para transgredir, o risco claustrofóbico delimitado pelo autoritarista pai cuja sombra se sente mesmo quando não se vê ou está a milhas noutras missões.

O rol de detalhes visuais do olho de falcão de Malick expõe ao público o título de mestre, mais até que os golpes de arrumação e de desarrumação da história que deixa desguarnecida e como parte a mais a sequência de (belas e urbanas) imagens que envolve a fase graúda do filho (Sean Penn). Mas não nos importamos de ver outra vez este filme. Dos que trouxe Terrence Malick de volta à actividade, este é mesmo o que puxa mais o espectador para o regresso à sala escura para o reencontro com aqueles personagens.



GP

domingo, 26 de junho de 2011

Na Montra

Recensão a discos recentes (e decentes)


Tiago Sousa - Walden Pond's Monk

Entra o piano em modo circular, ouvidos à escuta para decidir se é erudito ou popular, uma melancolia fina que não ajuda à categorização e que exige uma audição impoluta, sem que etiquetas de uso corrente criem ruído e distraiam do essencial. E Tiago Sousa vai alimentando estes círculos até se transformarem noutros, trazendo à baila Debussy, mas também Bernardo Sassetti (de Ascent), em temas instrumentais desacelerados, belos e dolentes, e até em hipnóticas evocações indianas. Depois vêm clarinete e percussões, camadas que se vão avolumando sem que a música ganhe peso ou robustez. Permanece delicada e tímida, ao mesmo tempo que exigente e segura. Tiago Sousa faz isto como se não pudesse fazer outra coisa, como se a música não pudesse ser senão esta, como se cada nota tivesse demorado vários anos a procurar o melhor sítio onde se enfiar e daí se recusasse a sair.

(Excerto de artigo publicado no Ípsilon)




Elbow - Build a Rocket Boys!

Build a Rocket Boys!, quinto álbum do quinteto inglês, dá um passo atrás na grandiosidade atingida com o anterior The Seldom Seen Kid, e isto porque os Elbow são mais estimulantes na inversa proporção da macieza das suas composições. Temos os habituais coros entre a alegra bebedeira ao balcão do bar e a prática dominical na direcção do altar da igreja, os tiques do rock progressivo que impedem que uma canção desta gente possa alguma vez soar vulgar e a capacidade rara de tratar cada melodia como se fosse um monumento ao falhanço – que, ao ser glorificado, deixa, no entanto, de constituir um falhanço. Faltam apenas os rasgos em que o disco anterior e o início de carreira foram férteis, e que pareciam impedir Guy Garvey de se apaixonar repetidamente pela sua própria imagem de homem não suficientemente amado pelos outros.

(Excerto de artigo publicado no Ípsilon)




Aldina Duarte - Contos de Fados

É difícil encontrar um fado mais verdadeiro do que este. É um fado nu, totalmente exposto, de luzes baixas, embriagado por poesia maior em que as palavras se encadeiam com sentido e sentir, não precisando sequer de contornar os clichés porque nem sequer os encontra pelo caminho. Há no canto de Aldina Duarte uma qualidade primária notável, radical (da raiz), que só encontramos noutra mulher do fado actual – Carminho. Mas enquanto Carminho é explosão, Aldina é sobriedade e contenção, uma elegância fina e enxuta.

(Excerto de artigo publicado no Ípsilon)




Cass McCombs - Wit's End

Costuma dizer-se que não há uma segunda oportunidade para causa uma boa primeira impressão. O californiano Cass McCombs já deve ter ouvido esta frase algures, porque o arranque de Wit’s End com “County Line” é coisa para baixar a guarda a qualquer Mike Tyson desta vida, é uma coisa de uma delicadeza capaz de nos pôr a levitar sem darmos por isso. É uma canção pequena, tímida – como quase todas as de McCombs –, sem arranjos de cordas grandiosos para nos convencer da sua relevância para o resto do mundo, simplesmente uma canção a puxar-nos para dentro dela, a oferecer colo e consolo. A lembrar o melhor que Kurt Wagner ou Elliott Smith nos deram. Os tímidos são sempre os piores/melhores (conforme a perspectiva).

(Artigo publicado na Time Out Lisboa)




Munch Munch - Double Visions

há aqui um cruzamento bizarro e inimaginável entre os universos dos Animal Collective e dos Mars Volta, entre a pop rarefeita, espacial, com défice de atenção e a imaginar outros mundos para além daquele que habitamos, e uma versão melódica e privada de distorção (mais amiga das canções, portanto) de uma fúria de travo progressivo. Outra forma de descrevê-lo seria pôr Robert Wyatt agarrado a uma chusma de órgãos a tentar compor singles para o elenco de Glee. Aqui era a altura indicada para destacar um par de temas de escuta obrigatória, mas a verdade é que Double Visions avança e cada tema parece mais essencial à nossa vida do que o pagamento de quaisquer juros da dívida externa. Claro que depois a realidade é uma meretriz, mas enquanto houver Munch Munch há esperança.

(Excerto de artigo publicado na Time Out Lisboa)



GF

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Não Estava Lá, Não Estava Lá


Festival Super Bock Super Rock 1995

Somos hoje citados frequentemente nos roteiros dos festivais internacionais elaborados pelas várias publicações internacionais de prestígio. Mas começámos tarde nesta rotina anual de grandes festivais, no já tardio 1995. O evento fundador foi o festival Super Bock Super Rock, nascido, por incrível que pareça!, do esforço conjunto das três maiores promotoras ao vivo (supostas concorrentes). O local não podia ser mais urbano: a Gare Marítima de Alcântara, debaixo da sombra da Ponte 25 de Abril e diante do olhar do Cristo Rei.

O cartaz chamava a atenção: The Cure, Jesus & Mary Chain, Faith No More, Therapy?, Young Gods, Morphine, Youssou N’Dour e, contra aquela corrente alternativa, os GNR. Dois dias de programação num só palco bastavam. Foi um sucesso. O festival sobreviveu aos mais diferentes formatos. E ainda hoje foi apresentada à imprensa aquela que é já a 17ª edição do SBSR, num pinhal a alguns quilómetros da Aldeia do Meco.

Voltemos a Julho de 1995, quando eu estava tão perto e tão perto do que estremecia naquele novo festival. Tão perto, porque estava a poucos quilómetros do recinto. Tão perto, porque estava a acompanhar apaixonada e radiofonicamente através de uma estação que me irritava, a Rádio Energia (por que razão não era, por mérito e justiça, a XFM a transmitir aquilo tudo?, pensava eu). Estava fustigado por demasiados exames para conseguir que a emoção levasse a melhor sobre a razão. E em vez de estar a correr de pé todos aqueles concertos reunidos num grande festival, estava sentado à frente de uma escrivaninha e de uma desgovernada torre de dossiês com a inclinação de Pisa. Em vez do conforto do desconforto, tinha o desconforto do conforto.

Restam-me os relatos das actuações endiabradas dos Young Gods (na primeira noite) e dos Therapy? (a meio do segundo dia), da tomada de surpresa das almas tugas pelo abrasileirado líder espiritual Mark Sandman dos Morphine, da vénia beata perante os Cure, da condução sábia da multidão por Youssou N’Dour, de opiniões difusas sobre os Jesus & Mary Chain e os Faith No More e de um terreno minado que armadilhou os GNR para uma actuação aziaga, perante um público que estava de costas voltadas. Tudo li e ouvi mesmo que nada tenha visto. E mais lia e ouvia, mais me doía não ter ido. Não me lembro das notas dos exames; lembro-me do que perdi naquele festival.







GP

terça-feira, 14 de junho de 2011

Na Montra

Recensão a discos recentes.

Smix Smox Smux - Os Gloriosos Smix Smox Smux Derrotarão os Exércitos Capitalistas
Se mexe Smix Smox Smux! Este é já o segundo disco do trio bracarense que preserva como intacto aquele dom de iniciados, com uma imunidade de aço face à domesticação das convenções pop-rockeiras.

Esta segunda nortada, bem fresca e tão bem-vinda, é rock alternativo com sotaque, que os institui de vez uns filhos dos Trabalhadores do Comércio mais sofisticados. Claro que essa sofisticação ocorre sem esforço, genuina e involuntariamente, graças às actualizações das fontes indie deste mundo já sem fronteiras que a internet esbateu.

Talvez passem pelo radar do grupo discos voadores identificáveis de gente com alma à solta como os Feelies, os Minutemen, os Pavement, ou até os dEUS. Também os SSS sabem encontrar a melodia gira e desprendê-la para uma bandalheira que, qual contraste, faz todo o sentido.

Simplicidade, irreverência, algazarra e inteligência parecem ser os quatro mandamentos do grupo à medida que progredimos neste disco ligado à corrente, sempre à mesma corrente, sem descanso entre faixas, fazendo de cada uma das dez músicas uma só.

Vai havendo excepções, e excepções a excepções. Em 'Sangue', os Smix Smox Smux passam de trio a quarteto, com a aparição de um vulto de peso, o vocalista dos Mão Morta. O tema é feito à medida vampiresca do convidado Adolfo Lúxuria Canibal, o histórico padroeiro da festança indie bracarense. Mas os coros, numa espécie de reencarnação garageira dos cantos gregorianos, selam no final o devido enquadramento smixsmoxiano.

O sonoro zapping do grupo torna-se mais zappesco (sim, fala-se de Frank Zappa) quando tentam o 'Kuduro'. A dança de pé pesado e de cabeça leve continua a 'Gaguejar' na(s) faixa(s) seguinte(s) . E 'Pinochet Guevara' é, tal como a capa e o design maoistas e o título hiperbolicamente socialista, uma declaração de abstração política, muito contracrática. A parte política sobressai então na segunda metade do disco, em forma de paródia, numa forma feliz de mal-estar, em boa forma.

"Os Gloriosos Smix Smox Smux Derrotarão os Exércitos Capitalistas" é um berro contra a normalidade, mostrando-nos um rock do mais inventivo que se tem ouvido neste rectângulo à beira-mar.

Artigo publicado no Cotonete.




Thurston Moore – Demolished Thoughts
Thurston Moore habituou-nos a excitar com uma ideia focada de rock & roll (porventura, uma das melhores de sempre e que tão bem tem sobrevivido), situada nos Sonic Youth e nos seus tsunamis sónicos. Quando a vertente a solo parecia mais um interessante arredondamento da metodologia dos Sonic Youth, Moore mostra-nos agora uma outra faceta, a do homem acústico, mais próximo que nunca do registo de Nico em Chelsea Girl. O violino marca o passo e já não os pedais das guitarras Jaguar, num carrossel de vários planos sonoros que chama para o seu círculo a guitarra acústica (sempre em trabalhos), uma fugidia harpa e, claro, a sua voz anasalada. Sabia-se que Moore vinha serenando, mas não tanto. O disco é uma boa surpresa.



The Cars – Move Like This
Contrariando aquilo que já deve ser consagrado como uma lei da física, o facto dos regressos de bandas históricas serem sujos por muita ferrugem, os Cars saltaram os 24 anos de hiato e uma iminente vergonha com uma dezena de canções fresca e de formato radiofónico, desafiando com convicção a idade e os antecedentes de correligionários de new wave - como os Blondie e os Devo que caíram na armadilha de voltarem. Há em Move Like This baladas a fazer razias à atmosfera de Drive (talvez o tema mais reconhecido pelo grande público) e muito synth-rock de moral alta. Tudo em qualidade.



Austra – Feel It Break
De um canto erudito a outro gótico, surge alguma fumarada shoegazer que enche a pista electrónica dos canadianos Austra e a encaminha, qual magia criativa, para uma paisagem ao ar livre deslumbrante. Feel It Break está umas horas mais à frente das sonoridades mais sombrias Zola Jesus ou Fever Ray, nos céus, já à procura da Aurora, a deusa romana da alvorada. E talvez o consiga.



Norberto Lobo – Fala Mansa
Norberto Lobo é um guitarrista folk. Muito português. Mas também muito do western. De muitos lados do mundo da guitarra. E até é de um protótipo de canção se for preciso, num jazz artesanal e maneirinho (o do tema-título do disco) com que nos acena um charmoso adeus. Já nos tínhamos surpreendido com as duas obras anteriores. Mas, pelos vistos, não o suficiente.


GP

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Tom está de regresso! Dá para ouvir a excitação?


Tom Waits anuncia o seu regresso aos discos com este pedaço de poesia avulsa. Só que, em Waits, até o avulso e descontextualizado é de ouro. Espera-se novo disco não menos do que sublime e, se tudo correr bem, que venha aí nova digressão. Se tudo correr ainda melhor, havemos de ter dedo suficientemente rápido no gatilho (tradução livre: no botão esquerdo do rato) para o apanharmos em concerto algures nesta Europa. Até já, Tom. Abraços dos dupondts.

GF

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Bonita, bonita que se farta


Beck anda por aí a fazer maravilhas com as músicas dos outros. Já dá para se escutar o tratamento que deu a Stephen Malkmus e os seus Jicks, álbum que sai algures em Agosto. Mas aquilo que agora nos ocupa é a preciosidade destes Demolished Thoughts, investida a solo de Thurston Moore verdadeiramente surpreendente. E esta "Benediction", miminho de canção de melancolia muito ao jeito de Beck-Sea Change, é uma das melhores coisas que vamos ouvir este ano. Bonita que se farta...



GF