quinta-feira, 26 de maio de 2011

Polly valente


O vulcão islandês ainda me fez temer que a relação ausente entre Polly Jean Harvey e os palcos lisboetas se tornasse num bruxedo, depois de há 10 anos uma faringite ter originado o cancelamento de um concerto seu no Coliseu dos Recreios. Mas, felizmente, Polly & co não iam apanhar um dos muitos voos cancelados por essa fumarada nórdica que provoca autênticas dores de cabeça aos promotores ao vivo.

A sofreguidão por a ver numa sala fechada foi sendo abafada serenamente por um concerto lúcido e competente, comandado por alguém que não sabe tomar más decisões. A banda é do melhor que existe – além dos velhos conhecidos Mick Harvey e John Parish (ambos de cabedal multi-instrumentista), foi um prazer descobrir o baterista Jean-Marc Butty (de cabedal multirrítmico). Este é um tipo de concerto cujas valias fazem esquecer a urgência de ouvir os grandes temas de PJ. Não era preciso pedir um 'Man Size' ou um 'Down by the Water', quando o que se impunha era a eloquência da nova fornada folk-rock (ou lá o que isso possa ser) vinda do fenomenal álbum "Let England Shake", que alguma da plateia estava ainda a examinar até à concludente e consensual ovação.

PJ Harvey, com um talento camaleónico de um Dylan ou de um Bowie, foi sempre encarnando um modelo diferente a cada álbum. E o deste último dá-nos uma artista mais recatada em palco, com adereços de um guarda-roupa que fazem dela uma mulher-pássaro, incluindo um penacho que origina as mais belas sombras que as paredes da Aula Magna já conheceram, além de uma instrumentação mais folk, incluindo a utilização da auto-harpa e a maior recorrência à guitarra acústica. Talvez não arrase como aquela rocker semi-despida e mais carnal dos tempos de "Stories from the City (...)" e de "Uh Huh Her". Mas volta a levar a água ao seu moinho com um outro modo, mesmo que mais indirecto.

Passou revista por todos os álbuns de originais até 1995 ("To Bring You My Love"), do qual tocou o bluesy 'C'mon Billy'. Nas breves viagens ao passado, só deu um pouco maior de ênfase a "Is This Desire?". No único encore, o eléctrico 'Big Exit' foi a mola espiritual que levantou toda a sala (excepto as doutorais, claro). PJ Harvey foi sempre de poucas palavras e nos intervalos fazia pequenos périplos para o fundo, confundindo-se com a escuridão de trás. Mas no final, no momento de agradecimento, aquele sorriso disse tudo.

Aquela hora e meia soube a pouco e esse é o elogio telegráfico que melhor pode aferir tudo o que se passou. Hoje há mais, para outros tantos sortudos.

GP

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