sábado, 17 de dezembro de 2011

Césaria


Cesária Évora não é mulher de gastar palavras. Prefere guardá-las para o palco, quando tem de cantá-las. Por isso, quando é entrevistada, responde tudo curto e grosso, muitas vezes com um humor tão desarmante quanto sincero, reagindo contra os ‘ralhetes’ que a tradutora e amiga lhe vai fazendo a propósito da sua saúde. Aos 67 anos, Cesária diz que se acostumou a andar em digressão e estar longe do país do seu coração. «Estou tão habituada que é como beber um copo de água», compara.
Mas agora que está a lançar Nha Sentimento, a ‘diva dos pés descalços’ admite que está a reduzir o número de concertos, «para aproveitar melhor a casa». Mas também porque há um ano teve um AVC em palco, na Austrália, embora tenha terminado o concerto sem que ninguém reparasse em qualquer anomalia. Cesária desvaloriza: «O braço morreu. Mas depois o braço voltou à vida». E quando a tradutora lembra que o problema não era exactamente do braço, Cesária arruma a questão: «Eu só senti no braço, não senti nada no coração e se tivesse mal na cabeça não tinha metido estas músicas novas todas na cabeça».
Ainda são lembradas as palavras do médico que a observou, proibindo-a de fumar e beber, dizendo-lhe que teve muita sorte. Cesária puxa de um cigarro e graceja: «Sim, podia ter ficado com a boca à banda a cantar ‘sodade’». Mas não se fica por aí e acrescenta: «Deus deu-me um sinal e eu não vi». E o cigarro lá se acende.
Como facilmente se percebe, a morte não mete medo à cantora. Se lhe bater à porta antes do esperado, garante que abrirá os braços para a receber condignamente. «Não tenho medo nem das coisas ruins, dos maus espíritos ou dos fantasmas. Só das pessoas vivas. Tenho medo que uma pessoa chegue perto de mim e me leve as minhas jóias», confessa.
Desde os 19 anos que da voz de Cesária se ouvem os lamentos de amores desfeitos e da melancolia das ilhas de Cabo Verde, pela mão de mornas cantadas com notável elegância. Desde esse início de carreira, diz que pouco mudou na sua vida. A diferença é que antes «morava com a mãe, ela é que pagava as rendas» e depois de muito ter cantado por todo o mundo comprou uma casa e um carro para dar as suas voltas à noite pelo Mindelo.
Agora, sempre que regressa a casa depois de uma digressão que a afasta por vezes meses a fio de Cabo Verde, diz que assim que põe o pé na porta lhe saem as mesmas palavras: «Aleluia, já fui fazer o que tinha a fazer e já voltei, graças a Deus».

(publicado no semanário Sol em Outubro de 2009)

GF

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