terça-feira, 14 de junho de 2011

Na Montra

Recensão a discos recentes.

Smix Smox Smux - Os Gloriosos Smix Smox Smux Derrotarão os Exércitos Capitalistas
Se mexe Smix Smox Smux! Este é já o segundo disco do trio bracarense que preserva como intacto aquele dom de iniciados, com uma imunidade de aço face à domesticação das convenções pop-rockeiras.

Esta segunda nortada, bem fresca e tão bem-vinda, é rock alternativo com sotaque, que os institui de vez uns filhos dos Trabalhadores do Comércio mais sofisticados. Claro que essa sofisticação ocorre sem esforço, genuina e involuntariamente, graças às actualizações das fontes indie deste mundo já sem fronteiras que a internet esbateu.

Talvez passem pelo radar do grupo discos voadores identificáveis de gente com alma à solta como os Feelies, os Minutemen, os Pavement, ou até os dEUS. Também os SSS sabem encontrar a melodia gira e desprendê-la para uma bandalheira que, qual contraste, faz todo o sentido.

Simplicidade, irreverência, algazarra e inteligência parecem ser os quatro mandamentos do grupo à medida que progredimos neste disco ligado à corrente, sempre à mesma corrente, sem descanso entre faixas, fazendo de cada uma das dez músicas uma só.

Vai havendo excepções, e excepções a excepções. Em 'Sangue', os Smix Smox Smux passam de trio a quarteto, com a aparição de um vulto de peso, o vocalista dos Mão Morta. O tema é feito à medida vampiresca do convidado Adolfo Lúxuria Canibal, o histórico padroeiro da festança indie bracarense. Mas os coros, numa espécie de reencarnação garageira dos cantos gregorianos, selam no final o devido enquadramento smixsmoxiano.

O sonoro zapping do grupo torna-se mais zappesco (sim, fala-se de Frank Zappa) quando tentam o 'Kuduro'. A dança de pé pesado e de cabeça leve continua a 'Gaguejar' na(s) faixa(s) seguinte(s) . E 'Pinochet Guevara' é, tal como a capa e o design maoistas e o título hiperbolicamente socialista, uma declaração de abstração política, muito contracrática. A parte política sobressai então na segunda metade do disco, em forma de paródia, numa forma feliz de mal-estar, em boa forma.

"Os Gloriosos Smix Smox Smux Derrotarão os Exércitos Capitalistas" é um berro contra a normalidade, mostrando-nos um rock do mais inventivo que se tem ouvido neste rectângulo à beira-mar.

Artigo publicado no Cotonete.




Thurston Moore – Demolished Thoughts
Thurston Moore habituou-nos a excitar com uma ideia focada de rock & roll (porventura, uma das melhores de sempre e que tão bem tem sobrevivido), situada nos Sonic Youth e nos seus tsunamis sónicos. Quando a vertente a solo parecia mais um interessante arredondamento da metodologia dos Sonic Youth, Moore mostra-nos agora uma outra faceta, a do homem acústico, mais próximo que nunca do registo de Nico em Chelsea Girl. O violino marca o passo e já não os pedais das guitarras Jaguar, num carrossel de vários planos sonoros que chama para o seu círculo a guitarra acústica (sempre em trabalhos), uma fugidia harpa e, claro, a sua voz anasalada. Sabia-se que Moore vinha serenando, mas não tanto. O disco é uma boa surpresa.



The Cars – Move Like This
Contrariando aquilo que já deve ser consagrado como uma lei da física, o facto dos regressos de bandas históricas serem sujos por muita ferrugem, os Cars saltaram os 24 anos de hiato e uma iminente vergonha com uma dezena de canções fresca e de formato radiofónico, desafiando com convicção a idade e os antecedentes de correligionários de new wave - como os Blondie e os Devo que caíram na armadilha de voltarem. Há em Move Like This baladas a fazer razias à atmosfera de Drive (talvez o tema mais reconhecido pelo grande público) e muito synth-rock de moral alta. Tudo em qualidade.



Austra – Feel It Break
De um canto erudito a outro gótico, surge alguma fumarada shoegazer que enche a pista electrónica dos canadianos Austra e a encaminha, qual magia criativa, para uma paisagem ao ar livre deslumbrante. Feel It Break está umas horas mais à frente das sonoridades mais sombrias Zola Jesus ou Fever Ray, nos céus, já à procura da Aurora, a deusa romana da alvorada. E talvez o consiga.



Norberto Lobo – Fala Mansa
Norberto Lobo é um guitarrista folk. Muito português. Mas também muito do western. De muitos lados do mundo da guitarra. E até é de um protótipo de canção se for preciso, num jazz artesanal e maneirinho (o do tema-título do disco) com que nos acena um charmoso adeus. Já nos tínhamos surpreendido com as duas obras anteriores. Mas, pelos vistos, não o suficiente.


GP

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