terça-feira, 26 de julho de 2011

Prazer Culposo


Dire Straits, 'So Far Away' - perfeito para a sala de pool

Quando tinha 12 anos e basicamente era outra pessoa, gostava de Dire Straits. Sem a imunidade de bom gosto ou de uma maior maturidade, também eu fui afectado por essa praga que vitimou metade dos ouvidos nacionais. A banda de Mark Knopfler era uma instituição entre nós. E eu, da forma que podia, participei naquilo, ouvindo ou aceitando (ou gostando: é este o verbo certo), numa idade parva e sem identidade, muito borbulhenta e com buço, que apetece esquecer, sobretudo nos álbuns de fotografia. Tive dois meses, tive quatro anos, tive sete, onze vá. E depois só dezassete. Doze/treze é que não.

Quando aos meus 16 anos, os Dire Straits lançam aquele que viria a ser o seu último álbum, "On Every Street", já os meus gostos eram consideravelmente diferentes embora frescos, com a banda de Knopler ainda situada num território dúbio de apreciação. Numa bela noite (repare-se na adjectivação irónica), quando a RTP2 transmitia concertos à segunda-feira (hábito de curtíssima duração), a minha relação com os Dire Straits definir-se-ia, com outros contornos. O espectáculo do grupo britânico que passava na estação pública pertencia à digressão promocional de "On Every Street", a mesma que passaria pelo antigo Estádio de Alvalade. Os Dire Straits estavam a interpretar os temas com uma fidelidade e uma precisão perfeitas... Adormeci. Os temas arrastavam-se, não acabavam, julgo. Os Dire Straits tinham-se tornado na banda mais chata do planeta. A pessoa que se predispôs para gravar o concerto, eu mesmo, já não era a mesma que retirou a videocassete do leitor, eu mesmo. A cassete VHS foi desgravada. Os Dire Straits foram riscados. Que raio fazia eu àquela hora?

Quando aos meus dezanove/vinte pensava que a minha relação com os Dire Straits se tinha encerrado, estava enganado. Um final mais feliz reservar-me-ia. Estava eu no mais insípido dos locais do Algarve, Vilamoura (onde os meus pais têm um apartamento), a jogar o snooker dos nabos, o pool (também descrito pelos espanhóis e brasileiros como bilhar americano), com o meu irmão contra dois betinhos com sotaque do Porto. Enquanto ia dando as tacadas erradas e falhando os buracos, o disco que passava no salão de jogos era o famoso "Brothers in Arms" dos Dire Straits. Quando o que se ouvia era 'So Far Away', o membro mais pimpão da minha dupla adversária comenta para o seu parceiro que o álbum que está a passar por inteiro é o "Money for Nothing". Esforcei-me para não o corrigir, porque sabia bem que essa compilação de que falava não tinha o 'So Far Away'. Sabia bem porque era o único disco que eu tinha dos Dire Straits. E 'So Far Away' era o grande tema que não constava na dita colectânea. Mas bem mais importante que ouvir uma imprecisão, era perceber que naquele momento o tema 'So Far Away' me estava a saber bem. Com a sofreguidão de um fruto proibido a que não tive acesso anos antes. Passados quase dez anos, estava a remediar o mal com um prazer intenso vivido segundo a segundo da canção. Que diabos, aquela música estava a soar-me bem.

Num espaço de quatro minutos, e só naquele espaço de quatro minutos (não me venham falar do 'Sultans of Swing' e dos primeiros tempos), aquele low profile do homem principal (sim, Mark Knopfler), aquele virtuosismo na guitarra eléctrica e aquele som tão americano vindo de uma banda inglesa encaixavam no goto. Por apenas quatro minutos, pode prescindir-se da militância por um som mais transgressor e espreguiçar naquele rock clássico de tom vespertino e vagaroso, perfeito para ser ouvido numa sala de jogos. Por apenas quatro minutos, pode amar-se uma banda que se detesta. A culpa é de 'So Far Away'.



GP

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